Dra. Fernanda R. Lima
Cada vez mais temos visto o crescimento dos esportes de ultra-endurance, como corrida, ciclismo, natação e triatlo. Afinal, o ser humano foi, ao longo da evolução, fisiologicamente programado para ser um dos melhores animais de endurance do planeta.
O critério para definir um esporte de ultra-endurance é que ele dure ao menos 6 horas. Para fazer provas de um ou mais dias que tenham essa duração, o atleta tem que procurar melhorar o seu “motor energético” para suportar longos períodos em deslocamento contínuo. Além disso, o sistema musculoesquelético tem que estar pronto para resistir à fadiga. Do contrário, o atleta fica exposto a um risco muito grande de lesões clínicas e do aparelho locomotor.
Uma das lesões mais curiosas no ciclismo de ultra-endurance é o chamado Shermer’s Neck. Essa situação é vista em ciclistas que pedalam distâncias muito longas e se caracteriza por uma importante fraqueza da musculatura do pescoço.
Ela foi descrita pela primeira vez em 1982 em um ciclista chamado Michael Schermer, durante a prova “Race Across America”, um evento ciclístico que vai de uma ponta a outra dos Estados Unidos. No meio da prova, Schermer perdeu progressivamente a força da musculatura do pescoço enquanto pedalava e de repente não conseguiu mais manter o seu queixo e olhar alinhados para frente. A partir daí, esse quadro foi batizado com o nome dele.
O Schermer’s Neck, em geral, vem acompanhado de dor na região cervical. No entanto, vale lembrar que dor é uma manifestação extremamente subjetivas para esses super atletas, que apresentam alta tolerância ao sofrimento. Outro sintoma descrito é a “diplopia” (visão dobrada do mesmo objeto), acentuada ao tentar elevar os olhos para olhar para um foco mais distante.
O que se sabe hoje é que esse quadro decorre uma fadiga extrema da musculatura do pescoço e olhos. Lesões prévias na coluna cervical, vícios posturais na bicicleta, uso de “aerobars” e capacetes pesados com câmeras acopladas são fatores de risco para o ciclista desenvolver o Schermer’s neck durante uma prova longa.
O mais impressionante é que, durante as competições, esse problema parece não ser um obstáculo suficiente para o ciclista abandonar a prova. Existem várias soluções “criativas” usando acessórios improvisados para sustentar a cabeça do ciclista na bicicleta. Por exemplo, a ciclista profissional Leah Goldstein teve Schermer’s Neck no meio de uma prova multidias com a média de rodagem 400km por dia. A solução foi trançar uma fita no seu cabelo e prende-la no na faixa do frequencímetro ou no top esportivo, para sustentar a cabeça até o final da prova!
A boa notícia é que o Schermer’s Neck é uma situação clínica reversível. O tratamento é basicamente repouso, sono e fisioterapia. Como prevenção, é fundamental fazer um trabalho de fortalecimento específico para a musculatura cervical, fazer um bikefit cuidadoso e conhecer o seu limite de condicionamento físico antes de se inscrever em uma prova de ultra-endurance.