A medida que a pandemia pelo coronavírus vem se espalhando pelo mundo, as informações sobre a doença vão sendo divulgadas. É bom ressaltar que ainda se trata de um território incerto e embora muitos estudos estejam sendo publicados, os profissionais de saúde devem ponderar com muito cuidado como essas informações devem afetar sua prática médica e cuidado com os seus pacientes.
Houve repercussão mundial o artigo publicado em 11 de março pelo periódico The Lancet sobre três estudos que sugerem relação entre taxas de mortalidade 2 a 3x maiores em pacientes com comorbidades como diabetes e hipertensão, e com o uso de algumas medicações como ibuprofeno e alguns anti-hipertensivos.
O aspecto focado é o aumento da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2). Propõe-se que o vírus utiliza essa enzima, expressa nas células pulmonares, para ligar-se a células-alvo humanas e por isso, níveis elevados de ECA2 seriam causa da maior gravidade da infecção.
O estudo sugere que pacientes diabéticos e hipertensos em tratamento com fármacos como os inibidores de enzima conversora de angiotensina (iECA) e os bloqueadores de receptores de angiotensina (BRA), assim como em uso de tiazolidinodionas (pioglitazona) e de ibuprofeno apresentam elevação dos níveis da ECA-2 e por isso maior risco de gravidade pela COVID-19.
Frente a essa discussão gostaria de ressaltar alguns fatos importantes:
– Embora seja um vírus de alta transmissibilidade, a letalidade pela doença ainda é baixa e a grande maioria das pessoas tem sintomas leves e se recuperam em casa. O principal a se fazer é combater a transmissão do vírus.
– Os estudos até o momento publicados são baseados em associações epidemiológicas e plausibilidade biológica. Como não há estudos clínicos randomizados, as evidências científicas ainda não são tão fortes. Os estudos mostraram maior mortalidade em pacientes idosos, cardiopatas, hipertensos e diabéticos. Sabemos que essas condições clínicas se sobrepõem em vários pacientes, ficando difícil estabelecer o peso de cada uma na gravidade da doença. Além disso, não foi esclarecido como eram os controles glicêmicos desses pacientes previamente à infecção.
– Em geral, os pacientes com diabetes, especialmente aqueles cuja doença não é bem controlada, podem ser mais suscetíveis a infecções mais comuns, como influenza e pneumonia, possivelmente porque a hiperglicemia pode prejudicar a imunidade por alterar a função dos glóbulos brancos. É tanto que existem indicações específicas de imunizações para pacientes diabéticos. Um fator importante em qualquer forma de infecção nesses pacientes são os seus níveis glicêmicos. Um bom controle da glicose é fundamental para reduzir o risco e a gravidade de qualquer infecção. Sendo assim, acredita-se que as pessoas com diabetes vulneráveis e que provavelmente terão desfechos piores se contraírem COVID-19 são aquelas com longa história de diabetes, mau controle metabólico, presença de complicações e doenças concomitantes e especialmente os idosos (>60 anos), independentemente do tipo de diabetes. O risco de complicações na pessoa com diabetes bem controlado é menor, tanto para o diabetes tipo 1 quanto para o tipo 2.
Dra. Mirela Miranda
Endocrinologista da Clínica Move